A primeira coisa que estava de trás para frente parecia tão óbvio de percebermos que é até embaraçoso admitir: falhei em compreender que a Bíblia é um livro sobre Deus. A Bíblia é um livro que revela em cada página, de forma audaciosa e clara, quem é Deus. Em Gênesis, ela faz isso colocando Deus como o sujeito da narrativa da criação. Em Êxodo, ela revela a autoridade de Deus sobre faraó e os deuses do Egito. Nos Salmos, Davi exalta o poder e a majestade do Senhor. Os Profetas proclamam sua ira e justiça. Os Evangelhos e as Epístolas revelam seu caráter na pessoa e obra de Cristo. O livro de Apocalipse exibe seu domínio sobre todas as coisas. Do início ao fim, a Bíblia é um livro sobre Deus.
Talvez eu soubesse de fato que a Bíblia era um livro sobre Deus, mas não percebia que não a estava lendo como se fosse. [...]
Eu cria que deveria ler a Bíblia para ensinar a mim mesma sobre como viver e para ter a garantia de que eu era amada e perdoada. Eu acreditava que ela era um guia para a vida e que, em qualquer circunstância, alguém que realmente soubesse como ler e interpretá-la poderia encontrar uma passagem que oferecesse conforto ou orientação. Eu acreditava que o propósito da Bíblia era me ajudar.
Com esse pensamento, eu não era muito diferente de Moisés, em pé diante da sarça ardente no Monte Sinai. Imediatamente em sua visão estava a revelação do caráter de Deus: uma sarça em chamas, conversando com ele de forma audível, a qual não era consumida miraculosamente. Quando foi encarregado por essa visão de Deus para ir até faraó e exigir a libertação dos cativos, Moisés, autoconsciente, responde: “Quem sou eu para ir a Faraó e tirar do Egito os filhos de Israel?” (Êx 3.11)
Deus responde com paciência, fazendo de si mesmo o sujeito da narrativa: “Eu serei contigo” (Êx 3.12). Em vez de se tranquilizar com essa resposta, Moisés pergunta em seguida: “Disse Moisés a Deus: Eis que, quando eu vier aos filhos de Israel e lhes disser: O Deus de vossos pais me enviou a vós outros; e eles me perguntarem: Qual é o seu nome? Que lhes direi?” (v. 13)
Observe que em vez de dizer a Moisés o que ele deveria fazer, Deus, ao contrário, diz o que ele mesmo tem feito, está fazendo e fará. [...] (veja Êx 3.14-22).
O diálogo continua dessa maneira. Por todo esse capítulo e metade do livro de Êxodo, Moisés faz as perguntas erradas: Quem sou eu? O que eu devo fazer? Em vez de lhe dizer: “Moisés, você é meu servo escolhido. Você é minha criação preciosa, um líder sábio e talentoso”, Deus responde removendo completamente Moisés da posição de sujeito da discussão e inserindo a si mesmo. Ele responde à pergunta autocentrada de Moisés “Que sou eu?” com a única resposta que importa: “Eu sou”.
Somos como Moisés. A Bíblia é a nossa sarça ardente — uma declaração fiel da presença e da santidade de Deus. Nós pedimos que ela fale acerca de nós mesmos, mas em todo o tempo ela nos fala a respeito do “Eu sou”. Nós pensamos que se ela ao menos nos dissesse quem somos e o que devemos fazer, então nossas inseguranças, temores e dúvidas desapareceriam. Mas as nossas inseguranças, temores e dúvidas jamais podem ser banidos pelo conhecimento de quem nós somos. Eles só podem ser banidos pelo conhecimento do “Eu sou”. Devemos ler e estudar a Bíblia com nossos ouvidos treinados para ouvir a declaração que Deus faz de si mesmo.
Isso significa que a Bíblia não tem nada a dizer sobre quem nós somos? De modo nenhum. Nós apenas tentamos responder àquela pergunta de trás para frente. A Bíblia realmente nos fala sobre quem somos e sobre o que devemos fazer, mas o faz através das lentes de quem é Deus. O conhecimento de Deus e o conhecimento do eu sempre andam de mãos dadas. De fato, não pode haver um conhecimento verdadeiro do eu desvinculado do conhecimento de Deus. Ele é o único ponto de referência que é confiável. Portanto, quando leio que Deus é longânimo percebo que não sou longânima. Quando leio que Deus é tardio em se irar, percebo que sou rápida em me irar. Quando leio que Deus é justo, percebo que sou injusta. Perceber quem ele é me revela quem eu sou diante da verdadeira luz. Uma visão de um Deus elevado e exaltado revela o meu pecado e aumenta o meu amor por ele. Tristeza e amor levam ao arrependimento genuíno, e eu começo a me conformar à imagem daquele que contemplo.
Se eu ler a Bíblia procurando a mim mesma no texto antes de procurar por Deus, eu posso de fato aprender que não devo ser egoísta. Posso até tentar mais arduamente não ser egoísta. [...] Assim como Moisés aprenderia durante o Êxodo, quem ele era não exerceu qualquer impacto no desfecho de sua situação. Quem Deus era fez toda a diferença.
No Novo Testamento, encontramos Jesus tratando do mesmo problema com os líderes judeus. “Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim. Contudo, não quereis vir a mim para terdes vida.” (Jo 5.39-40) Os líderes judeus investigavam as Escrituras fazendo a pergunta errada, procurando pela imagem errada a ser revelada.
[...] Todo estudo da Bíblia que busca estabelecer a nossa identidade sem antes proclamar a identidade de Deus nos prestará uma ajuda parcial e limitada. Devemos desvirar o nosso hábito de perguntar “Quem eu sou?” Devemos perguntar primeiro: “O que esta passagem me ensina a respeito de Deus?”, antes de pedirmos para que ela nos ensine qualquer coisa acerca de nós mesmos. Devemos reconhecer que a Bíblia é um livro a respeito de Deus.
Jen Wilkin
Trecho do livro Mulheres da Palavra de
Jen Wilkin, de março de 2015 da Editora Fiel
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